Afrodite Pandemos X Afrodite Urânia
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7/17/20233 min read
Quando se fala em Afrodite Pandemos logo surge em mente a concepção platônica de que sob esse aspecto a deusa regeria o amor sensual, terreno, vulgar, conectado a prostituição e inclinações grotescas. Em contraposição estaria a “elevada e espiritual” “Urania”. Contudo, apesar de incorreta, essa é a crença mais amplamente difundida e que sobreviveu além dos séculos. Assim, o presente artigo objetiva rever tais ideias e mostrar o que realmente a religião grega antiga – e não mitos e opiniões de certos pensadores – atesta.
Primeiro a questão da Afrodite Urania: não há registros cultuais daquela distinção platônica. Urania (a celeste) não se refere a qualquer espécie de pureza ou outro elevado significado, simplesmente remonta ás origens mitológicas (filha do Céu) e históricas da Deusa (iconografia derivada da Rainha dos Céus Oriental). Uma prova disso é a Afrodite Urânia de Corinto, onde era ligada a prostituição. Há quem lembre tríade Urania-Pandemos- Apostrofia de Tebas – supostamente instituído pela mítica Harmonia, esposa de Cadmo- e de seus respectivos significados contados por Pausânias. Porém, o que acontece, é que esse historiador apenas registrou a opinião do tempo dele acerca dessas três Afrodites. Que fique claro: a religião oficial nunca reconheceu a concepção platônica acerca de Afrodite.
Agora sobre a injustiçada Pandemos – “a comum a todos”, “a do povo” ou ainda” a de todos os demos”. A religião atesta sua existência em Erytrae; na ilha de Kos; em Tebas; Megalopolis; Naucrátis; mas com maior importância em Atenas, na Ática, de onde registros e inscrições fornecem pistas acerca do seu significado político.
Em Atenas, o mito de Teseu explica que por ocasião do sinecismo entre demos da Ática instituiu o culto a Afrodite Pandemos, a comum a todos. Deve-se ressaltar que a religião era um dos “brasões” sob os quais os gregos se reconheciam como pertencendo á mesma identidade cultural e cívica. Na peça “O Adulador”, de Menandro, são citados os “Tetradistai” (Quartistas), grupo que se reunia no quarto dia do mês, sagrado a Afrodite, para honra-la como Pandemos e pedir” segurança, prosperidade e todas a bênçãos”. Na Acrópolis, um relevo dedicado por um Artinos e Menecratia dirige-se a Afrodite como a “grande e sagrada deusa”. Uma recente descoberta de um altar ateniense refere-se a Ela sob o título “Hegemone”, a condutora do demos, entre os séc. 3 e 2 A.E.C., associando-a ás Cárites, provavelmente evocando a harmonia entre os cidadãos após a restauração de sua independência em 229 A.E.C. Tal contexto também explica as honras prestados pelos Magistrados, por vezes acompanhada por Peitho (a persuasão). Também sob o epíteto Hegemone os Efebos áticos juravam defender a pátria e obedecer às leis.
Na Ilha de Kos, inscrições do início e fim do séc. 2 A.E.C. estipulam os deveres e direitos de um sacerdócio de Afrodite, responsável por dois cultos, Pandemos e Euploia (da boa viagem marítima). Ao que parece, Pandemos era celebrada no mesmo dia por todos os demos, no mês de Panamos, talvez em conexão com um sinecismo também ocorrido na ilha em 366/5 A.E.C.
Uma única tradição conecta Pandemos com prostituição, segundo a história que diz ter Sólon construído um templo a essa deusa com o dinheiro dos bordéis. Sob esse aspecto, a deusa seria responsável pela maturação sexual (rito de transição) dos rapazes recém-saídos da infância (vide o simbolismo do mito de Teseu oferendo uma cabra a Afrodite - para que o acompanha-se na expedição á Creta, por conselho de Apollo - por ela transformada em bode no momento do sacrifício).
Ademais, o epíteto Pandemos também era atribuído a Zeus como o guardião da comunidade política na Ática. Em Megalopolis, o culto de Afrodite Pandemos fora instituído em prol da nova confederação da Arcádia.
Portando, claro fique, de acordo com o exposto, Pandemos é um título que expressa a dimensão principalmente POLÍTICA de Afrodite, por vezes associada a casamentos. Assim como “Hegemone”, através do “Eros” Ela mantém unido e em paz o corpo cívico. E que foi a partir da concepção platônica que houve uma interpretação distorcida e popularizada desses epítetos. Não é objetivo deste artigo invalidar as contribuições de Platão, nem de longe. Mas vejo necessário apresentar Afrodite em todas as dimensões em que era reconhecida na vida religiosa dos gregos se quisermos reconstruir adequadamente seu culto.
Bibliografia consultada:
Capítulo “ Something to do with Aphrodite: Ta Afrodisia and the sacred”, escrito por Vinciane Pirenne-Delforge, do livro “A companion to greek religion” de Daniel Ogden.
“The cult of greek states”, de LEWIS RICHARD FARNELL, M.A.