Paganismo X Cristianismo: Quem realmente é o Perseguido?

Descrição do post.

A.Demétrios H.S.R.

10/2/20234 min read

O cristão comum, praticante ou não, raramente sabe como sua religião se tornou uma espécie de "regra" cultural. Ele não sabe como sua "religião de amor universal" venceu e ganhou o espaço que tem hoje. Ele não sabe como muitos de seus antecessores religiosos chegaram a níveis bestiais para consolidar seu poder. E graças eles, reinam hoje, com uma igreja diferente a cada esquina, fazendo parte da paisagem. E Ai se são criticados: se colocam como perseguidos, desejando virar mártires, como seus antepassados, a fim de fazerem realizar suas profecias insanas. Um “coach” famoso, recentemente, falou em suas palestras, que o cristão deve ocupar seu lugar na sociedade. Sem contar as falas do ex-presidente que, para angariar votos da ala evangélica, espalhou falácias sobre como a liberdade religiosa do “povo de deus” estava em risco e ele seria uma espécie de escudo. Pelo visto, 2000 anos de domínio não foram o bastante. Todos estamos fartos do fanatismo e intolerância religiosa, e no entanto, suas raízes estão diante dos olhos de todos, em cada esquina onde se adora o profeta judeu morto.

Qualquer um que siga alguma das religiões étnicas antigas e estude um pouco de história saberá que o Cristianismo, ao ganhar poder em Roma, tratou de suprimir e oprimir os antigos caminhos dos Deuses. Para alguém da antiguidade, um deus novo como o recém "nascido" e controverso Cristo não era exatamente O problema. Especialmente no Império Romano proliferavam os mais diversos cultos: os tradicionais do povo romano, os de Isis, Mitra e outros. Segundo a convicção religiosa da época, negligenciar os Deuses era abalar a “Pax Deorum”, a “Paz dos Deuses”, uma espécie de contrato romano que assegurava as bênçãos dos Eternos.Os cristãos se recusavam a seguir a norma e, como reação, algumas ações foram tomadas, algumas vezes ocorrendo de fato perseguições. Contudo, não tão exageradas quanto a literatura cristã gosta de pintar. (Não significa que estou defendendo qualquer possível ato perpetrado contra a vida daqueles primeiros devotos do profeta judeu). Segundo Catherine Nixey, em seu esplêndido livro citado ao fim deste artigo, em 300 anos de domínio romano, apenas 13 anos foram dedicados a perseguições contra os cristãos.

Apesar disso, o potencial da Cristandade enquanto instrumento de poder foi notado por certas autoridades e tão logo a cristandade ganhou poder ao se tornar religião oficial, tanto os subalternos quanto a esfera do governo trataram de oprimir violentamente as tradições antigas. A ralé intelectual cristã simplesmente arrasou templos, destruiu imagens sagradas e esfolou viva Hipatia, uma eminente filósofa neoplatônica, incendiaram bibliotecas. Imperadores cristãos promulgaram leis criminalizando a prática da religião antiga. Foram séculos de trabalho árduo para varrer os cultos dos Deuses e seus praticantes junto.

Embora tenham virado as costas para suas origens judaicas, os cristãos fizeram bom uso do nada discreto "nojinho" do politeísmo, herdado de seus antecessores. Não bastasse isso, ironicamente, se apropriaram de grandes intelectuais como Platão e Aristóteles (devotos dos antigos Deuses), pois precisavam de suporte teórico a fim de suprir as necessidades teológicas da crença cristã simples e defeituosa.

Isso é só um resuminho bem simplista de como a cristandade "venceu" o "erro" dos antigos, através do seu "amor" universal e da crença ao "deus único e verdadeiro".

Contudo, não é para lamentar o passado que faço esta postagem. O “passado”, está bem presente nos comportamentos de intolerância naturalizados ainda pelo crente comum de hoje. São proselitistas por natureza. Olham com expresso nojo outras crenças. Até entre eles mesmos, ao brigarem pela "verdade verdadeira" entre igrejas diferentes. O "mau" cristão é aquele que, justamente, não segue essas tendências preconceituosas e discriminatórias justificadas por certos trechos das “Boas Novas”, e pelas palavras de seus inúmeros “homens santos”.

E eles fizeram um ótimo trabalho em transformar discordância em cristofobia e perseguição, para endossar suas profecias.

Discordamos sim. Nos indignamos, sim! Nos indignamos pelo que ocorreu no passado e pelo que ainda ocorre no presente. E precisamos falar sobre isso, numa era que grita por esclarecimentos e correções sobre tudo que até então era normal ou mal explicado.

Existimos e resistimos. E vamos defender o retorno aos Deuses. No entanto, isso não nos torna aquilo do que aqueles lá “da Cruz” mais gostariam: seus "perseguidores".

Há espaço e devotos para todos. Mas lidar com uma crença dominante que naturalmente rechaça e estigmatiza outros caminhos religiosos e pouco se enfrenta isso de frente, é bem complicado.

Quantos de vocês, devotos dos Deuses, se vêm impossibilitados de expressar sua crença no próprio lar ou região, por causa do medo das represálias dos monoteístas? Quantos espaços não-cristãos, como os terreiros, são atacados pelo Brasil?

Portanto, enquanto os discursos dos crentes não mudarem, a via da tolerância religiosa continuará truncada.

Links e indicações de livros:

Negri, Gaetano. “ A Era de Juliano: paganismo e cristianismo no império romano.” Editora Contraponto.

Nixey, Catherine. “ A chegada das trevas: como os cristãos destruíram o mundo clássico”. Edições Desassossego, Grupo Saída de Emergência. Portugal.

Serrano, Sam R.M. “El pagansimo tardio Y Juliano El apostata”. © Ediciones Akal, S.A., 1991.

“Uma cronologia resumida da perseguição cristã aos pagãos helenos”. http://ta-hiera.blogspot.com/2009/05/uma-coronologia-resumida-da-perseguicao.html Acesso em 1 out. 2023.

“Cristofobia: projeto de poder e as resistências da luta cristã”. https://www.brasildefato.com.br/2020/11/13/cristofobia-projeto-de-poder-e-as-resistencias-da-luta-crista Acesso em 01 out. 2023.

Algumas Reportagens sobre ataques a terreiros:

https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/11/15/quase-metade-dos-terreiros-do-pais-registrou-ate-cinco-ataques-nos-ultimos-dois-anos-mostra-pesquisa.ghtml

https://www.brasildefato.com.br/2023/02/14/terreiro-e-novamente-invadido-e-depredado-na-regiao-metropolitana-de-salvador-ba